Como constituir um Fundo Patrimonial (Endowment) de forma segura

1) O que é um Fundo Patrimonial (“Endowment”)?

Os fundos patrimoniais, também conhecidos como endowment funds ou fundos filantrópicos, são um conjunto de ativos, formados por recursos advindos de doações de pessoas físicas ou jurídicas, instituído, gerido e administrado por uma organização gestora com o intuito de constituir fonte de recursos de longo prazo, a partir da preservação do principal e da aplicação de seus rendimentos.

Em outras palavras, os recursos advindos de doações são investidos no mercado financeiro, inclusive em fundos de investimento, pela organização gestora e os seus rendimentos são revertidos para projetos relacionados à finalidade social atrelada às doações. O ponto central do Endowment é garantir a perenidade no financiamento dos projetos que foram a razão das contribuições. Assim, se o doador investir em educação, por exemplo, esse dinheiro ficará rendendo permanentemente para essa causa.

2) Forma de constituição e regulamentação:

Os fundos patrimoniais são constituídos por meio de organizações de direito privado sem fins lucrativos, como associações ou fundações. Estas entidades assumem obrigações e competências relativas aos recursos provenientes de doações, bem como aos rendimentos auferidos pelos investimentos desses fundos. A criação de um fundo patrimonial é estipulada no estatuto social de uma associação ou fundação, um documento legal que deve regulamentar o seu funcionamento, de acordo com as leis e regulamentos aplicáveis.

A conversão da Medida Provisória nº 851, datada de 10 de setembro de 2018, na Lei nº 13.800, promulgada em 4 de janeiro de 2019, estabeleceu uma regulamentação específica para os fundos patrimoniais no Brasil. Essa lei concede à administração pública a autorização para firmar instrumentos de parceria e termos de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público com organizações gestoras de fundos patrimoniais. Além disso, os fundos patrimoniais constituídos nos termos desta lei poderão apoiar instituições relacionadas à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação, à cultura, à saúde, ao meio ambiente, à assistência social, ao desporto, à segurança pública, aos direitos humanos e a demais finalidades de interesse público.

A regulamentação dos fundos patrimoniais, por meio da Lei nº 13.800, promove uma maior segurança jurídica tanto para os doadores quanto para os gestores de projetos sociais. No entanto, durante o processo de aprovação da lei, houve vetos relacionados aos incentivos fiscais destinados aos doadores de fundos patrimoniais, o que limitou o potencial de crescimento dessa ferramenta. Outro ponto de atenção diz respeito à falta de clareza da lei em relação aos aspectos tributários das organizações responsáveis pela gestão dos fundos patrimoniais.

Atualmente, está em tramitação a PL 2440/2023, que prevê a utilização de incentivos fiscais já existentes no âmbito da legislação brasileira para doações a fundos patrimoniais filantrópicos, além de esclarecer aspectos tributários relativos às organizações gestoras de fundos patrimoniais.

3) Constituindo de forma segura o fundo patrimonial:

Seguindo a atual regulamentação dos fundos patrimoniais, para que um fundo patrimonial esteja de acordo com esta lei, seu estatuto social deve conter as seguintes disposições:

a) Sua denominação, que deverá incluir a expressão “gestora de fundo patrimonial”;

b) As instituições apoiadas ou as causas de interesse público às quais se destinam as doações, que só poderão ser alteradas mediante aprovação de quórum qualificado, a ser definido em seu estatuto;

c) A forma de representação ativa e passiva, judicial e extrajudicial, as regras de composição, o funcionamento, as competências, a forma de eleição ou de indicação dos membros do Conselho de Administração, do Comitê de Investimentos e do Conselho Fiscal, ou órgãos semelhantes, sem prejuízo da previsão de outros órgãos, e a possibilidade de os doadores poderem ou não compor algum desses órgãos;

d) A forma de aprovação das políticas de gestão, de investimento, de resgate e de aplicação dos recursos do fundo patrimonial;

e) Os mecanismos de transparência e prestação de contas;

f) Vedação de destinação de recursos a finalidade distinta da prevista no estatuto e de outorga de garantias a terceiros sobre os bens que integram o fundo patrimonial;

g) As regras para dissolução, liquidação e transferência de patrimônio da organização gestora de fundo patrimonial;

h) As regras do processo de encerramento do instrumento de parceria e do termo de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público.

Além disso, os fundos patrimoniais devem:

i) Manter contabilidade e registros de acordo com os princípios gerais da contabilidade brasileira, sendo obrigatória a divulgação anual das demonstrações financeiras e da gestão e aplicação dos recursos em seus sites na Internet;

j) Possuir escrituração fiscal de acordo com as normas do Sistema Público de Escrituração Digital da Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda aplicáveis à sua natureza jurídica e ao seu porte econômico;

k) Divulgar em seu site eletrônico os relatórios de execução dos instrumentos de parceria e dos termos de execução de programas, projetos e demais finalidades de interesse público firmados e a indicação dos valores despendidos, das atividades, das obras e dos serviços realizados, discriminados por projeto, com periodicidade mínima anual;

l) Apresentar, semestralmente, informações sobre os investimentos e, anualmente, sobre a aplicação dos recursos;

m) Adotar mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades; e

n) Estabelecer códigos de ética e de conduta para dirigentes e funcionários (Neste guia ensinamos como criar o Código de Ética e Conduta da sua Startup em 06 passos).

4) Conclusão:

Diante de todo o exposto, resta evidenciado que a regulamentação dos fundos patrimoniais pela Lei nº 13.800/19 criou um regime jurídico específico e, até certo ponto complexo, devido à sua natureza relativamente nova, gerando extensos debates. Portanto, é fundamental contar com a orientação de uma assessoria jurídica especializada para assegurar a constituição segura do fundo patrimonial e a realização efetiva de suas finalidades.

Por Jéssica Del Sant