Como a mudança do Estatuto da Igualdade Racial pode impactar sua Startup?

A Lei 14.553, publicada no dia 24 de abril de 2023, altera parte do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), direcionando algumas condutas com relação aos registros administrativos feitos pelos empregadores privados.

Nesse sentido, o art. 39, §8º dispõe que os registros administrativos, tanto de órgãos da Administração Pública, quanto dos empregadores privados, deverão conter a informação destinada a identificar segmento étnico e racial no qual pertence cada trabalhador, sob o critério de autoclassificação. Ou seja, o empregado é quem deve declarar em qual etnia/raça se enquadra. Dessa forma, caso a empresa ainda não tenha essa informação nos registros administrativos, deverá adicionar o requerimento desta informação nos formulários e documentos necessários.

Ainda, a lei determina uma conduta a partir de sua vigência, e não deixa expressa a necessidade de realizar essa coleta com os empregados que já compõem o quadro de funcionários. Ou seja, em princípio, não há necessidade de coletar a identificação do segmento étnico e racial de cada um dos empregados em atividade. Nesse caso provavelmente eles seriam impactados diretamente nos documentos de saída.

No mais, apesar de não ser a realidade no momento, existe uma tendência de ser exigida auditoria, ou surgimento de norma posterior que exija a atualização dos documentos que a empresa tem. Todavia, caso haja a viabilidade, é indicado que seja feita a coleta dessas informações com uma atualização dos registros pré-existentes à vigência da lei, para que sejam mitigados eventuais riscos com relação à prestação futura dessas informações que a lei requer.

Já o §9º do mesmo artigo elucida alguns dos documentos que devem conter tal informação:

“I - formulários de admissão e demissão no emprego;

II - formulários de acidente de trabalho;

III - instrumentos de registro do Sistema Nacional de Emprego (Sine), ou de estrutura que venha a suceder-lhe em suas finalidades;

IV - Relação Anual de Informações Sociais (Rais), ou outro documento criado posteriormente com conteúdo e propósitos a ela assemelhados;

V - documentos, inclusive os disponibilizados em meio eletrônico, destinados à inscrição de segurados e dependentes no Regime Geral de Previdência Social; VI - questionários de pesquisas levadas a termo pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou por órgão ou entidade posteriormente incumbida das atribuições imputadas a essa autarquia.”

Vale ressaltar que a lista é exemplificativa, e não taxativa. Ou seja, podem haver outros documentos ou registros da mesma natureza contendo as informações sobre o segmento étnico e racial de cada empregado.

Quais são as consequências de não aplicar a Lei?

Outro ponto importante são as consequências da não aplicação da lei. No geral, a conformidade da empresa com lei e regulamentos deve ser uma prioridade, já que possíveis desconformidades geram consequências reputacionais negativas às empresas, além de serem passíveis de sanções.

Nesse caso em específico, ainda não há disposições sobre penas de forma expressa na lei, todavia existe a tendência de criação de punições e exigências específicas em um futuro, gerando riscos àquelas empresas que não adotarem esses novos procedimentos. No mais, atualmente, a depender do caso concreto, cabe aplicações de sanções pelo MPT nas fiscalizações trabalhistas, por exemplo.

Vale ressaltar que as empresas que adotarem desde já esse procedimento, estarão mais aptas e organizadas caso tenham que apresentar alguma documentação ao governo, facilitando os desdobramentos operacionais e mitigando os riscos de alguma punição.

Visto isso, é muito importante que todas as empresas que têm colaboradores celetistas, incluindo as startups, atualizem os documentos e formulários pertinentes para realizar a coleta de dados em consonância com a recente Lei, incluindo a identificação do segmento étnico e racial no qual pertence cada trabalhador, sob o critério de autoclassificação.

Como a empresa deve tratar o dado coletado?

No que concerne ao dado a ser coletado, trata-se de um dado pessoal sensível de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Dessa forma, por ser um cumprimento de obrigação legal, a empresa poderá tratar esses dados sem o consentimento do titular, tal como preceitua o art. 11 da LGPD:

Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

(...)

II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para:

a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;

Todavia, a empresa deverá: i) utilizar esses dados apenas para a finalidade específica de cumprir com o que determina o Estatuto da Igualdade Racial, não podendo desviar essa finalidade; ii) jamais, sob nenhuma hipótese, utilizar essas informações para fins discriminatórios ou que possam colaborar para uma discriminação; iii) dar a devida transparência ao titular do dado, nesse caso o empregado, sobre o motivo da coleta do dado; iv) armazenar essas informações de forma segura e intermente com acesso restrito, mitigando os riscos de serem utilizados de forma indevida.

No mais, essa transparência ao titular poderá ser feita por meio de um aviso ou termo no momento da coleta do dado. Além disso, é importante atualizar as Políticas Internas de Proteção de Dados Pessoais da empresa com as disposições desta lei que trazem novos deveres aos empregadores.

Ainda, aqui explicamos como proteger sua startup das penalidades da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Conclusão

Por fim, a nova redação do art. 49, §4º do Estatuto da Igualdade Racial dispõe que o IBGE irá realizar pesquisa com o objetivo de identificar percentual de ocupação por parte de segmentos étnicos e raciais no âmbito do setor público a cada 5 (cinco) anos para consequente promoção de Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR).

Visto isso, provavelmente, a médio/longo prazo, essas pesquisas poderão ser mais amplas, abarcando o setor privado. Por isso, sugerimos que a partir de agora esses dados sejam organizados no âmbito interno objetivando que, caso sejam requeridos, a empresa tenha como reportá-los de forma eficaz, mitigando eventuais riscos operacionais futuros. Ainda, caso não exista, sugerimos sempre avaliarem a aplicação de políticas internas inclusivas que poderão compor o Programa de Compliance da empresa, assegurando um ambiente íntegro, conforme e socialmente responsável.

Por fim, lembramos que é importante que você realize todas essas adequações com o apoio de profissionais e escritórios especializados no assunto, visando a maior segurança possível para sua Startup.

Por Letícia Preti