O Direito do Trabalho, assim como os demais ramos do Direito, possui alguns princípios que servem de base para análise da justiça sob os casos concretos. Podemos citar como alguns exemplos de princípios, o do “in dubio pro misero”, da norma mais favorável, da subsistência do contrato e também o da primazia da realidade.
Dentre estes, atentando-se exclusivamente ao princípio da primazia da realidade, a doutrina o conceitua como a análise da situação fática. Ou seja, o importante aos olhos da Justiça do Trabalho, em regra, é o que de fato acontece e não o que determina um contrato assinado entre as partes.
A partir deste entendimento, cabe aqui analisarmos um fenômeno cada vez mais comum nas relações de trabalho, quando um indivíduo, portador de CPF, abre uma empresa junto a Receita Federal, criando CNPJ, no intuito de prestar serviços à outra empresa, sendo isto popularmente conhecido como “pejotização”. Os motivos pelos quais o indivíduo ou empresa prestadora do serviço e a empresa responsável pela contratação firmam esta relação de trabalho são diversos, e, assim como os benefícios e prejuízos destes, serão abordados em seguida.
Aos olhos da empresa contratante, a “pejotização” é ideal, pois teoricamente afastaria a relação de emprego entre patrão e empregado, liberando-a dos encargos previstos pela CLT para os casos de vínculo empregatício por meio de CTPS assinada como, FGTS devidamente recolhido, aviso-prévio nos casos de rescisão sem justa causa, vale-transporte e eventuais adicionais de insalubridade e periculosidade, por exemplo.
Já para o individuo, travestido de empresa contratada para prestação de serviços específicos, este tipo de relação de trabalho pode parecer benéfica em alguns casos. A título de exemplo, este poderá trabalhar para diversos empregadores independente da carga horária, quando não houver ordem contrária em contrato. Também existem casos que a empresa contratante, por não recolher FGTS, alega pagar valores maiores a empresa contratada, se comparado aos salários de empregados comuns, o que pode ser visto como benefício, ao menos inicialmente. Entretanto, deve ficar claro que este tipo de contratação tende a ser benéfica exclusivamente para o empregador, vez que, se analisados os benefícios que o empregado “pejotizado” perderá ou abdicará, é nítido que o intuito deste tipo de contratação é de favorecer o patrão em detrimento do trabalhador.
Demonstrados os dois lados deste tipo de acordo, deve-se alertar que, aos olhos da jurisprudência dos Tribunais do Trabalho e apoiado pelas leis trabalhistas, a “pejotização” é uma espécie de fraude as relações de emprego, vez que seu objetivo maior é afastar características básicas do vinculo empregatício descritas no artigo 3º da CLT.
Sendo assim, a empresa que opta por este artifício deve sempre analisar e mensurar os riscos dessas contratações e o contencioso criado por elas, vez que, caso o empregado “pejotizado” opte por requerer o reconhecimento do vínculo empregatício na justiça, situação cada vez mais comum, provavelmente obterá sucesso nas Varas do Trabalho. Isto porque a empresa contratante, geralmente, exerce subordinação de maneira habitual e contínua sobre a contratada, paga valores fixos pelo serviço e exige profissional específico e singular para o labor contratado, materializando as características da relação de emprego.
Por sua vez, a empresa contratada, ou empregado travestido por CNPJ, deve compreender que este tipo de contratação não está prevista nas relações de emprego e é mera condição contratual fraudulenta criada pelas partes. Isto porque, conforme demonstrado no parágrafo anterior, existem todas as particularidades do vínculo empregatício entre empregado e empregador, mas sem os custos a empresa contratante de valores previstos pela CLT, como FGTS, seguro-desemprego e, em alguns casos, aviso-prévio, os quais são direitos irrenunciáveis do empregado.
Exposto o tema, cabe a reflexão a respeito desse tipo de fenômeno, pois o crescimento da “pejotização” no país é visível e, independente da sua característica fraudulenta perante a Justiça do Trabalho, cabe ao Estado e a sociedade procurar compreender o que motiva esta situação, a fim de erradicar ou regular de maneira clara quando se pode optar por tal espécie de relação de trabalho.
Por Luiz Eduardo Soares Silva e Duarte